Uma canção e um sorriso
“ Ando devagar/ Porque já tive pressa / E
levo esse sorriso ...” Sempre que
ouço esta música um sorriso brota de
minhas lembranças. Um sorriso de descoberta, de vitória. E que felicidade tive
em presenciar esse momento!
Eu
estava lecionando para uma turma de 2° ano (antiga primeira série). Era nova na
escola e com apenas poucos anos de magistério. Na verdade, tinha mais
experiência com as crianças maiores do que com as menores. E , de repente,
estava eu ali, numa escola do interior, tendo que alfabetizar alguns alunos que
foram obrigados a passar de ano, porque não tinham mais idade para continuar no
antigo C. A . Nunca tinha alfabetizado . Na verdade, eu nem sabia por onde
começar! Fiquei muito angustiada! Tinha
duas realidades na sala de aula: crianças alfabetizadas e crianças ( mais
velhas) que mal sabiam escrever o nome. Como lidar com essas duas realidades? Que
fazer? Como evitar que aquelas, “mais fracas”, não se sentissem diminuídas
diante dos colegas?
Se me
perguntarem que método usei, não sei dizer... O que sei é que novamente a música de Almir
Sater me vem a mente: “ É preciso amor /
pra poder pulsar”. Acho que foi o amor pela profissão que me fez buscar a
solução. Conversei com minha colega da série anterior, peguei umas cartilhas
com a direção, li alguns artigos, troquei algumas ideias com colegas, busquei
algumas respostas em livros de Paulo Freire e lancei-me ao desafio.
O dia a
dia não foi fácil. No primeiro mês, errei mais do que acertei. Insisti, não
desisti. E parte da turma ia andando. Alguns evoluíam, outros não saíam do
lugar. E o resto da turma, caminhando a passos largos. Com esses eu pouco me
preocupava. Só tinha que prosseguir com o trabalho. Já com os outros, que
preocupação! Eu percebia que a maioria deles só ia para a escola por causa da
comida. Não tinham ajuda nenhuma em casa. Incentivo? Pelo contrário! Os pais
diziam que não davam para o estudo e , coitados, já estavam rotulados de “
burros”. A pior coisa para um professor é tirar da cabeça de uma criança que ela
“ é burra”, “ não dá para o estudo”. De tanto ouvirem isso, acreditam. Ainda
mais vindo de dentro de casa.! Não culpei os pobres pais. Eles não sabiam o mal
que estavam cometendo.
Além de
alfabetizar, eu queria integrar as crianças. Queria que elas se sentissem uma
turma. Passei a levar livros de histórias para a sala de aula. Nós tínhamos um
momento de leitura diária. Deixava que manuseassem os livros e depois lia para
elas. Era maravilhoso ver seus olhinhos brilhantes diante dos livros. Tinham um
cuidado ao tocá-los como se fossem partir em mil pedacinhos. E foi assim que vi
pela primeira vez os olhinhos de Rodrigo em cima de um livro. Em algum momento,
aquele livro despertou-lhe a vontade de ler.
Um
livro e uma criança. Uma criança e uma vontade imensa de desvendar o segredo
das palavras. Rodrigo se lançou ao mundo dos livros. A cartilha, já suja e
rasgada, agora era companheira fiel. Naquele dia, quando fui tomar-lhe a lição,
Rodrigo estava diferente. Nem eu nem ele havíamos percebido a descoberta ainda.
E, quando ela veio... Quando ele se viu lendo sozinho, sem minha ajuda, abriu
um sorriso largo. Era um sorriso branco, puro, alegre. Sorriso de vitória.
Quando olhou para mim, disse: “ Tia, por que
você está chorando?” . Não sabia o que dizer. Eu havia conseguido.
Rodrigo estava lendo! “ É preciso a chuva
para florir”...
Depois
de Rodrigo, outros também conseguiram. Alunos até mais trabalhosos, mais velhos
que Rodrigo. A satisfação foi a mesma, mas o sorriso daquele menino ficou
marcado para sempre...
Nunca pensei que uma canção
mexesse tanto com minhas lembranças.
“Hoje me sinto mais forte, /Mais feliz, quem sabe /Só levo a certeza/ De que
muito pouco sei/,Ou nada sei” ...
Mônica Miranda Carneiro da Silva - maio 2014